Paracoccidioidomicose
Dr. Flávio Telles
A paracoccidioidomicose (blastomicose sul-americana) é uma micose sistêmica autóctone da América Latina. De caráter endêmico entre as populações de zona rural, a paracoccidioidomicose (PCM) acomete principalmente indivíduos do sexo masculino entre 30 e 60 anos, sendo rara a incidência abaixo de 14 anos de idade. Sua importância em saúde coletiva está ligada aos custos sociais e econômicos derivados não apenas da doença em atividade, que ocorre em indivíduos na sua fase mais produtiva de vida, como também das freqüentes seqüelas secundárias a esta micose, motivo comum de incapacitação para o trabalho. Quando não tratada, geralmente evolui para o óbito. No estado do Paraná, já foram registrados casos em pacientes procedentes de todas as regiões, excluindo-se o litoral.
Figura 1. (PCM Epi)
Esfregaço de secreção de linfonodo contendo células leveduriformes do P.brasiliensis
O agente etiológico da PCM é um fungo dimórfico, conhecido apenas em sua forma assexuada, saprobiota do solo, o Paracoccidioides brasiliensis. Na natureza, o fungo apresenta a forma filamentosa que produz os conídios, as células infectantes. Uma vez inalados, os propágulos dão origem a formas leveduriformes do fungo que constituirão sua forma parasitária nos tecidos do hospedeiro.
Por muitos anos, prevaleceu o conceito de que a infecção seria por implantação traumática do P. brasiliensis na mucosa oral, através de traumas ocasionados pelo hábito de mascar diferentes tipos de vegetais. Atualmente, a via inalatória é considerada a principal porta de entrada da infecção, e a partir de um foco primário pulmonar, ocorreria disseminação linfática ou hematogênica para diferentes regiões do organismo, inclusive para a mucosa da orofaringe.
O contato inicial do hospedeiro com o fungo costuma evoluir para uma infecção subclínica ou assintomática (PCM infecção) detectada apenas por teste intradérmico com a paracoccidioidina ou por achado de necrópsia. Se há progressão da infecção, duas formas clínicas são descritas. A forma aguda ou tipo juvenil e a forma crônica. A primeira é menos freqüente e é observada em crianças de ambos os sexos ou em adultos abaixo de 30 anos. Representa menos de 10% da casuística geral desta micose e suas manifestações clínicas são decorrentes do rápido e progressivo envolvimento de órgãos do sistema mononuclear fagocitário. O principal aspecto clínico é representado por adenomegalia difusa superficial e profunda, hepatoesplenomegalia e eventual disfunção de medula óssea. Lesões de pele e múltiplas lesões ósteolíticas podem também ser observadas. Febre e emagrecimento acompanham o quadro e em poucas semanas há sério comprometimento das condições gerais do paciente. Complicações decorrentes de adenomegalia em cavidades podem levar a icterícia obstrutiva ou até síndrome de compressão de veia cava superior. Diarréia e hipoproteinemia podem ocorrer por envolvimento de vasos linfáticos intestinais com prejuízo da drenagem de linfa e decorrente má absorção intestinal. A PCM crônica do adulto é a forma de apresentação mais freqüente, ocorre predominantemente no sexo masculino e caracteriza-se por uma evolução de vários meses onde predominam a adinamia, emagrecimento, lesões tegumentares e às vezes linfoadenopatia. A presença de febre é irregular e em geral pouco intensa. Seu surgimento pode ser decorrente de co-infecções bacterianas como Mycobacterium tuberculosis ou outros germes comuns. O pulmão, órgão mais freqüentemente acometido, dá origem a manifestações clinicas de maneira muito insidiosa, compreendendo tosse seca, posteriormente produtiva, e dispnéia aos esforços. Em muitos casos, é paradoxal a pobreza do quadro clínico respiratório quando comparado à exuberância das lesões pulmonares documentadas por imagens radiológicas de tórax. Por outro lado, em alguns pacientes a teleradiografia de tórax pode não detectar lesões pequenas ou de pouca densidade, já com a tomografia torácica de alta resolução, uma variedade de imagens tem sido revelada.
As lesões da mucosa oral, faringe e laringe são muito comuns e com freqüência a causa de consulta a dentista ou ao clínico geral. Resultam de disseminação hematogênica a partir de um foco primário pulmonar. Na boca, nota-se a estomatite moriforme, geralmente acompanhada por um cortejo de sinais e sintomas que incluem sialorréia, sangramento, abaulamento dentário e
dor. Lesões de pálato mole e faringe causam odinofagia que levam a emagrecimento e à piora do estado geral do paciente. O acometimento da laringe e cordas vocais ocasiona diversos graus de disfonia, ou mesmo afonia.
Estomatite moriforme em lavrador com Paracoccidioidomicose
As lesões cutâneas também resultam de disseminação hematogênica do fungo e geralmente correlacionam-se com maior gravidade do processo infeccioso. Apresentam aspecto polimórfico e freqüentemente são distribuídas em face e em torno de orifícios naturais do corpo, como boca, nariz e ânus. Podem apresentar-se como ulcerações de aspecto moriforme, como lesões ectimiformes, ulcerações umbilicadas, úlcero-crostosas, verruciformes, nodulares, abscedadas etc.
Outros locais freqüentemente envolvidos na infecção sistêmica incluem os linfonodos, glândulas supra-renais, intestinos e SNC. Com menor freqüência o sistema ósteo-articular, fígado, baço, próstata e órgãos genitais, tireóide, globo ocular, aorta, pericárdio etc., podem ser acometidos. As seqüelas mais limitantes desta micose incluem quadros de insuficiência pulmonar crônica, doença de Addison e linfangiectasia com má-absorção intestinal.
O polimorfismo da apresentação clínica da paracoccidioidomicose permite que esta doença seja incluído no diagnóstico diferencial de várias condições clínicas, de causa infecciosa ou não. Entre as doenças respiratórias, a diferenciação deve ser feita com a tuberculose, histoplasmose, coccidioidomicose e a sarcoidose. As lesões mucosas devem ser diferenciadas da leishmaniose tegumentar, das lesões mucosas da histoplasmose e de lesões neoplásicas.
As manifestações cutâneas da paracoccidioidomicose podem confundir-se com formas linfocutâneas e verruciformes da esporotricose, com lesões de cromoblastomicose, lobomicose (Doença de Jorge Lobo), hanseníase, treponematoses ou com neoplasias de pele. Na forma juvenil, os principais diagnósticos diferenciais são doença linfoproliferativa, histoplasmose, calazar, tuberculose e outras micobacterioses.
Tórax em PA mostrando lesão com aspecto de asa de borboleta
Diagnóstico
Dados clínicos e epidemiológicos, particularmente a presença de doença crônica pulmonar e/ou lesões crônicas tegumentares em pacientes com antecedentes de lides agropecuários, mesmo que em passado distante, devem alertar o clínico para a possibilidade de PCM. O diagnóstico definitivo desta micose é obtido com a demonstração do agente etiológico em fluidos biológicos ou tecidos, principalmente por exame micológico direto e/ou histopatológico.
Exames sorológicos maior utilidade no seguimento da terapêutica seja para avaliar resposta satisfatória ao tratamento, onde observa-se queda de títulos de anticorpos específicos anti-P. brasiliensis, seja para diagnóstico de recaída. Neste caso, a elevação do título de anticorpos costuma preceder a recaída clínica da doença. Existem várias técnicas sorológicas disponíveis sendo que a imunodifusão em gel de ágar realizada com antígeno padronizado da fase leveduriforme do fungo reúne características de sensibilidade e especificidade acima de 90%, sendo método de baixo custo e fácil realização.
Tratamento
O manejo terapêutico da paracoccidioidomicose, deve obrigatoriamente compreender além da utilização de drogas antifúngicas, o emprego de medidas que melhorem as condições gerais do paciente, e acompanhamento pós terapêutico. Os principais medicamentos utilizados são associação trimetropim/sulfametoxazol (co trimoxazol), itraconazol e cetoconazol. Para formas graves deve-se iniciar com anfotericina B.
Medidas gerais - Além da terapêutica antifúngica específica, o paciente com paracoccidioidomicose necessita de medidas gerais que melhorem o estado de desnutrição proteico-calórica e a imunodepressão celular geralmente associadas à infecção pelo P. brasiliensis. Estes achados são freqüentemente agravados pela concomitância do tabagismo, etilismo, insuficiência adrenal e outras infecções associadas, características comuns observadas entre os nossos pacientes. Deste modo, o repouso, a dieta hiperproteica e hipercalórica, associada à suplementação vitamínica são fatores importantes para a obtenção dos critérios de cura, assim como a restrição do álcool, do tabaco e a terapêutica da doença de Addison e de infecções associadas como enteroparasitoses e co-infecções bacterianas respiratórias.
Acompanhamento pós-terapêutico
A palavra "cura" talvez nunca possa ser aplicada aos pacientes portadores de paracoccidioidomicose pela impossibilidade de erradicação do P. brasiliensis . As diferentes modalidades terapêuticas diminuem a quantidade de fungos no organismo, permitindo a recuperação da imunidade celular e restabelecendo o equilíbrio entre parasita e hospedeiro. Por este motivo, após a interrupção do tratamento uma vez obtidos os critérios de cura, os pacientes devem ser acompanhados ambulatorialmente com exame clínico e sorológico. A positivação ou aumento do valor do título da reação de imunodifusão dupla pode preceder à recaída clínica, portanto frente a esta situação justifica-se a reintrodução da terapêutica antifúngica.
Encaminhamento de pacientes.
O Ambulatório de Micoses do Hospital de Clínicas da Universidade tem sido um centro de referência para atendimento de pacientes portadores de várias micoses profundas, incluindo histoplasmose, criptococose, aspergilose, cromoblastomicose, esporotricose e especialmente, paracoccidioidomicose. Atualmente existem protocolos de pesquisa clínica em andamento, que procuram avaliar a eficácia e segurança das atuais e novas drogas empregadas na terapêutica de infecções fúngicas.
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Paracoccidioidomicose
Postado por OdontoUnimar às 19:50
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